bem-vindas e bem-vindos ao segundo post da série de pitacos sambísticos aqui nos pitacos da clementina! se você perdeu o primeiro post ou ainda não sabe do que se trata essa série, clica aqui pra conferir!
foi muito difícil escolher qual seria a música do segundo pitaco sambístico porque praticamente todas em que eu pensei, eu conheci da onde? isso mesmo, do Quintal do Zeca Pagodinho. mas já que todos os caminhos levam ao Zeca, o negócio é assumir isso e bola pra frente.
a música de hoje é Delegado Chico Palha, uma composição de 1938, de autoria de Tio Hélio e Nilton Campolino. só pra gente se situar melhor no meio de nomes que nos podem ser novos, Nilton Campolino foi um sambista da Velha Guarda da Império Serrano, escola de samba carioca; Tio Hélio foi um dos fundadores da Império Serrano, e era primo de ninguém mais e ninguém menos que Dona Ivone Lara.
apesar da canção ter quase 90 anos, o que ela nos conta ainda é muito atual. inclusive na versão da música cantada pelo Marcelo D2 no Quintal do Zeca Pagodinho 3 - sim, tem TRÊS quintais do Zeca, ouçam todos! - tem um pequeno diálogo entre o D2 e o Zeca que é:
- aí Pagodinho! Isso era 1938…
- mas ainda é a mesma coisa!
- ainda é a mesma coisa, meu cumpadi.
Delegado Chico Palha canta uma história real que aconteceu no Morro da Serrinha, é uma denúncia à repressão, perseguição e preconceito policial com o samba, os sambistas e suas comunidades - e nem é preciso discorrer muito o quanto isso é atual, infelizmente.
definido como um homem sem alma e sem coração, a música também nos conta que o delegado não queria samba e nem curimba - relacionado à Umbanda - na sua jurisdição. o ponto alto da denúncia vem no refrão que canta simplesmente: ele não prendia, só batia. e essa violência em seguida é reafirmada com um verso que fala que o delegado era um homem forte e violento, que sempre acabava as festas de terreiro e os sambas da galera com porradaria e ainda por cima quebrava os instrumentos. o preconceito fica ainda mais evidente no verso que canta que, para o delegado, os malandros das comunidades da Portela, Serrinha e Congonha eram vagabundos - e as mulheres sem vergonha.
eu sei que tá meio pesado tudo até aqui né, mas além de contar tudo isso em rimas - e em samba, ritmo show de bola como sempre - tem uma pequena reviravolta no final, que para mim é a cereja do bolo. acontece que mesmo com toda essa perseguição e violência, a cultura marginalizada sobreviveu - a duras penas como bem sabemos -, a curimba com seu terreiro e o samba com as escolas de samba, e quem se deu mal foi o delegado - expulso da polícia e pedindo esmola. depois desse verso todo mundo canta o refrão “ele não prendia, só batia” sorrindo. enfim uma pequena justiça sendo feita pela vida - em forma de samba.
fui dar uma procurada rápida pra ver se eu encontrava quem foi esse tal do Chico Palha, e me deparei com um post de 2013 da página Raiz do Samba com uma foto do suposto delegado que teria inspirado a música.
A legenda do post dizia: “Sabem quem é esse sujeito na foto, bambas? Esse é o Delegado Deraldo Padilha, ou Delegado Chico Palha como era chamado pela malandragem. Seu Deraldo, sambista é vaso ruim de quebrar.”
Em outro site achei a mesma foto, dizendo que sim, era o Delegado Deraldo Padilha, e que ele foi “delegado de policia carioca. Famoso nos anos 60 por perseguir prostitutas, homossexuais e malandros por ‘vadiagem’, conhecido como o ‘Terror dos malandros’. Durante a ditadura, foi demitido da policia com base do Ato Institucional-5”. Também li outro post que dizia que ele perseguiu a galera na década de 40, mais perto da composição da música que é de 1938, e que foi exonerado em 60, durante a Ditadura. Essa última informação nos dá um pouco mais de certeza que pode ser esse sujeito mesmo o nosso Delegado Chico Palha, como cantou a música! mas fica aí em aberto a identidade do Chico Palha, o fato é que ainda existem muitos dele por aí.
vou recomendar três versões da música: a do Marcelo D2 pra você ouvir o pequeno diálogo com o Zeca no final - e quem sabe se animar e ouvir o resto do álbum; a dos compositores, Tio Hélio e Nilton, assim damos cara e voz pros nossos homenageados no post de hoje; e aproveito também pra deixar recomendada uma outra versão, também interpretada pelo Marcelo D2 em seu novo álbum Manual Prático do Novo Samba Tradicional vol.2: Tia Darci, que tem uma proposta diferente musical e visualmente.
por fim a letra de Delegado Chico Palha
Delegado chico palha
Sem alma, sem coração
Não quer samba nem curimba
Na sua jurisdiçãoEle não prendia
Só batiaEra um homem muito forte
Com um gênio violento
Acabava a festa a pau
Ainda quebrava os instrumentosEle não prendia
Só batiaOs malandros da Portela
Da Serrinha e da Congonha
Pra ele eram vagabundos
E as mulheres sem-vergonhasEle não prendia
Só batiaA curimba ganhou terreiro
O samba ganhou escola
Ele expulso da polícia
Vivia pedindo esmolaEle não prendia
Só batia
esse post rendeu, pra vocês verem como o samba também tem profundidade. o bagulho é pesado mesmo, respeitemos!
espero que essa seja mais uma música pra sua playlist. não esquece de compartilhar esse pitaco sambístico!